SARAMAGO, José. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras. 2000. 350pp.
"O
homem que conduz a camioneta chama-se Cipriano Algor, é oleiro de
profissão e tem sessenta e quatro anos, posto que à vista pareça menos
idoso. O homem que está sentado ao lado dele é o genro, chama-se Marçal
Gacho, e ainda não chegou aos trinta. De todo modo, com a cara que tem,
ninguém lhe daria trinta anos. Como já se terá reparado, tanto um como o
outro levam colados ao nome próprio uns apelidos
insólitos cuja origem, significado e motivo desconhecem. O mais
provável será sentirem-se desgostosos se alguma vez vierem a saber que
aquele algor significa frio intenso do corpo, prenunciador de febre, e
que gacho é nada mais nada menos que a parte do pescoço do boi em que
assenta a canga." (p. 11)
"Cipriano Algor limpou a boca ao
guardanapo, pegou no copo como se fosse beber, mas pousou-o sem o levar
aos lábios. Diga, fale, insistiu a filha, e para abrir-lhe caminho ao
desabafo perguntou, Ainda está preocupado por causa de Marçal, ou tem
algum outro motivo de cuidado. Cipriano Algor deitou a mão no copo,
bebeu de um trago o resto do vinho, e respondeu rapidamente, como se as
palavras lhe queimassem a língua, Só me ficaram com metade do
carregamento, dizem que passou a haver menos compradores para o barro,
que aparecem à venda umas louças de plástico a imitar e que é isso que
os clientes preferem, Não é nada que não devêssemos esperar, mais tarde
ou mais cedo teria de suceder, o barro racha-se, esboicela-se, parte-se
ao menor golpe, ao passo que o plástico resiste a tudo e não se queixa, A
diferença está em que o barro é como as pessoas, precisa de queo tratem
bem, O plástico também, mas é certo que menos [...]. (p. 33)"