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25 novembro 2013

FÁBULAS

ESOPO. Fábulas. Porto Alegre: L& PM Pocket, 2003. 184pp.

A MOSCA
"Uma mosca caiu numa panela de carne. Afogada no molho e já quase morrendo, ela disse para si mesma: 'Se já comi, já bebi e já tomei um banho, que me importa morrer?' Suportamos a morte com mais facilidade quando a ela não associamos pensamentos tristes." (p.5)

OS BOIS E O EIXO
"Um carro era arrastado pelos bois. Como o eixo rangia, eles se voltaram e disseram-lhe: 'Nós puxamos o carro e vocês é que gemem?'"
"Para uns o sacrifício, para outros as queixas." (p.11)

O BEM E OS MALES
"O Bem, vítima de sua fraqueza, foi expulso pelos Males. Terminou indo parar no céu."
"- Como - perguntou ele a Zeus - devo me comportar com os homens?"
"- Dirija-se a cada um deles em separado."
"Eis por que os males, por permanecerem perto dos homens, os atormentam sem parar, enquanto o bem custa tanto a vir dos céus." (p.27)

18 novembro 2013

LARANJA MECÂNICA

BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Aleph, 2012. 350pp. (1ª edição: 1962)

"- Então, o que é que vai ser, hein?
Éramos eu, ou seja, Alex, e meus três druguis, ou seja, Pete, Georgie e Tosko (...) e estávamos no Lactobar Korova botando nossas rassudocks pra funcionar e ver o que fazer naquela noite de inverno sem-vergonha, fria, escura e miserável, embora seca." (p.41)
"Ó, meus irmãos. Você fica ali jogado depois de tomar o bom e velho moloko e aí fica com a messel de que tudo ao seu redor meio que já aconteceu antes. Você até consegue videar tudo direitinho, tudo mesmo, com muita clareza – as mesas, o estéreo, as luzes, as esticas e os maltchiks – mas era como se fosse uma veshka que antes estava lá mas agora não está mais." (p.44)
"Colocamos nossas mascaretas. Coisa nova, horrorshow mesmo, um trabalho muito bem-feito; eram os rostos de personalidades históricas (eles diziam para você os nomes quando você comprava). Eu tinha Disraeli, Pete tinha Elvis Presley, Georgie tinha Henrique VIII e o coitado do bom e velho Tosko tinha um vek poeta chamado PB Shelley; eram um disfarce de verdade, com cabelo e tudo, e eram feitas de uma veshka plástica muito especial que dava para enrolar e esconder na bota quando você acabasse de usar. Então nós três entramos." (p.51-52)

26 outubro 2013

O PROCESSO CIVILIZATÓRIO

RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização. São Paulo: Companhia das Letras; Publifolha, 2000. 246pp.
(1ª edição: 1968)

"A história das sociedades humanas nos últimos dez milênios pode ser explicada em termos de uma sucessão de revoluções tecnológicas e de processos civilizatórios através dos quais a maioria dos homens passa de uma condição generalizada de caçadores e coletores para diversos modos (...) de prover a subsistência, de organizar a vida social e de explicar suas próprias experiências. Tais modos diferenciados de ser (...) não variam arbitrariamente, porque se enquadram em três ordens de imperativos. Primeiro, o caráter acumulativo do progresso tecnológico que se desenvolve desde formas mais elementares a formas mais complexas, de acordo com uma sequência irreversível. Segundo, as relações recíprocas entre o equipamento tecnológico empregado (...), a forma de organização das relações internas (...), bem como das suas relações com outras sociedades. Terceiro, a interação entre esses esforços de controle da natureza e de ordenação das relações humanas e a cultura (...) através da conduta social, e, ideologicamente, pela comunicação simbólica e pela formulação da experiência social em corpos de saber, de crenças e de valores." [imperativos tecnológico, social e ideológico] (p.6)
"Existe um alto grau de concordância entre os estudiosos quanto ao poder de determinação dos conteúdos tecnológicos sobre os sociais e ideológicos e quanto à possibilidade de seriar o desenvolvimento tecnológico em passos evolutivos do progresso humano." (p.7)
"O conceito básico subjacente às teorias de evolução sociocultural é o de que as sociedades humanas (...) experimentam dois processos simultâneos e mutuamente complementares de autotransformação, um deles responsável pela diversificação, o outro pela homogeneização das culturas." (p.8)

16 outubro 2013

O ACASO E A NECESSIDADE

MONOD, Jacques. O Acaso e a Necessidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.

"É verdade que a ciência atenta contra os valores. Não diretamente, uma vez que ela não é juiz deles e deve ignorá-los; mas destroi todas as ontogenias míticas ou filosóficas, nas quais a tradição animista, dos aborígenes australianos aos dialéticos materialistas, fazia repousar os valores, a moral, os deveres, os direitos, as proibições. Se aceita essa mensagem em toda a sua significação, é preciso que o Homem enfim desperte de seu sono milenar para descobrir sua solidão total, sua estranheza radical. Agora, sabe que, como um cigano, está à margem do universo onde deve viver. Universo surdo à sua música, indiferente às suas esperanças, como a seus sofrimentos ou a seus crimes. Mas então quem define o crime? Quem dita o bem e o mal? Todos os sistemas tradicionais colocavam a ética e os valores fora do alcance do Homem. Os valores não lhe pertenciam: impunham-se e era ele que lhes pertencia. Hoje sabe que pertencem apenas a ele, e, por ser enfim o seu senhor, parece-lhe que se dissolvem no vazio indiferente do universo. O homem moderno, então, se volta para ou, antes, contra a ciência, cujo terrível poder de destruição não só dos corpos, mas também da própria alma, ele mede agora". (p. 190)

29 setembro 2013

A CIDADANIA NO BRASIL

CARVALHO, José Murilo de. A Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 236pp.


INTRODUÇÃO: MAPA DA VIAGEM
p.7:      “O esforço de reconstrução, melhor dito, de construção da democracia no Brasil ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania.”
p.8:      “É importante, então, refletir sobre o problema da cidadania, sobre seu significado, sua evolução histórica e suas perspectivas.”
p.9:      “Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico.”
“Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não-cidadãos.”

09 setembro 2013

FELIZ ANO NOVO

RUBEM FONSECA. Feliz Ano Novo (Contos). São Paulo: Cia das Letras, 1989. 174pp. 

Em Feliz Ano Novo: "Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque. Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar a cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros." (p.13) 
 "Eu estava pesando a gente invadir uma casa bacana que tá dando festa. O mulherio tá cheio de jóia e eu tenho um cara que compra tudo o que eu levar. E os barbados tão cheios de grana na carteira. Você sabe que tem anel que vale cinco milhas e colar de quinze, nesse intruja que eu conheço? Ele paga na hora. O fumo acabou. A cachaça também. Começou a chover." (p.16) 
 "Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente. É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos, ninguém se machuca. Você aí, apaga essa porra da vitrola!" (p.17) 

26 agosto 2013

A REBELIÃO DAS MASSAS

estudo sobre cultura de massa
JOSÉ ORTEGA Y GASSET. A Rebelião das Massas. São Paulo: Martins Fontes, 1987. 258pp. 

“Este livro (...) começou a ser publicado num diário madrileno em 1926.” (p.3)

O FATO DAS AGLOMERAÇÕES “Como as massas, por definição, não devem nem podem dirigir sua própria existência, e muito menos reger a sociedade, a Europa enfrenta atualmente a crise mais grave que possa ser enfrentada por povos, nações ou culturas. (...) Chama-se a rebelião das massas.” (p.35) “Os indivíduos que integram essas multidões já existiam, porém não como multidão.” (p.37)
“O conceito multidão é quantitativo e visual.” (p.37)
“As minorias são indivíduos ou grupos de indivíduos especialmente qualificados. (...) Massa é o ‘homem médio’.” (p.37) “(...) As inovações políticas dos anos mais recentes não significam outra coisa senão o império político das massas.” (p.40)
Sobre o conceito de hiperdemocracia: “a massa atua diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.” (p.40)

23 agosto 2013

DISCURSO SOBRE O MÉTODO

RENÉ DESCARTES. Discurso sobre o método. Leiden - França: [editora desconhecida], 1637.
"O bom senso é a coisa melhor dividida no mundo, pois cada um se julga tão bem dotado dele que ainda os mais difíceis de serem satisfeitos em outras coisas não costumam querê-lo mais do que têm. E, a esse propósito, não é verossímil que todos se enganem. Isso prova, pelo contrário, que o poder de bem aquilatar e diferenciar o verdadeiro do falso, quer dizer, o chamado bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens e assim, que multiplicidade de nossas opiniões não deriva do fato de uns serem mais razoáveis do que outros, porém somente do fato de encaminharmos nosso pensamento por diversos caminhos e não levarmos em conta as mesmas coisas. Não é suficiente ter o espírito bom, o essencial é bem aplicá-lo. As maiores almas são capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes e os que caminham muito vagarosamente podem adiantar muito mais, se prosseguirem sempre em seu caminho reto, do que os que correm e dele se afastam" (p. 9)
"Como existem homens que se deixam iludir em seus raciocínios e incorrem em paralogismos, ainda quando se trata da mais elementar noção de geometria, e acreditando-me também eu tão sujeito a errar como os outros, rejeitei como sendo falsas todas as razões que anteriormente tomara por demonstrações. Por fim, tendo em conta que os mesmos pensamentos que temos quando estamos acordados podem ocorrer-nos quando dormimos, sem que exista então um só que seja verdadeiro, tomei a decisão de fingir que todas as coisas que antes me entraram na mente não eram mais reais do que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo depois, observei que, enquanto eu desejava considerar assim tudo como sendo falso, era obrigatório que eu, ao pensar, fosse alguma coisa. Percebi então, que a verdade 'penso, logo existo' era tão sólida e tão exata que sequer as mais extravagantes suposições dos céticos conseguiriam abalá-las. E, assim crendo, concluí que não deveria ter escrúpulo em aceitá-la como sendo o primeiro princípio da filosofia que eu procurava". (p. 28)

17 julho 2013

PELE NEGRA, MÁSCARAS BRANCAS

FRANTZ FANON. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
"Por que escrever esta obra? Ninguém a solicitou. E muito menos aqueles a quem ela se destina. E então? Então, calmamente, respondo que há imbecis demais neste mundo. E já que o digo, vou tentar prová-lo. Em direção a um novo humanismo...
À compreensão dos homens... Nossos irmãos de cor... Creio em ti, Homem...
O preconceito de raça... Compreender e amar...
De todos os lados sou assediado por centenas de páginas que tentam impor-se a mim. Entretanto, uma só linha seria suficiente. Uma única resposta a dar e o problema do negro seria destituído de sua importância.
Que quer o homem? Que quer um negro?
Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi que o negro não é um homem." (p. 26)

16 julho 2013

A CAVERNA

SARAMAGO, José. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras. 2000. 350pp.

"O homem que conduz a camioneta chama-se Cipriano Algor, é oleiro de profissão e tem sessenta e quatro anos, posto que à vista pareça menos idoso. O homem que está sentado ao lado dele é o genro, chama-se Marçal Gacho, e ainda não chegou aos trinta. De todo modo, com a cara que tem, ninguém lhe daria trinta anos. Como já se terá reparado, tanto um como o outro levam colados ao nome próprio uns apelidos insólitos cuja origem, significado e motivo desconhecem. O mais provável será sentirem-se desgostosos se alguma vez vierem a saber que aquele algor significa frio intenso do corpo, prenunciador de febre, e que gacho é nada mais nada menos que a parte do pescoço do boi em que assenta a canga." (p. 11)
"Cipriano Algor limpou a boca ao guardanapo, pegou no copo como se fosse beber, mas pousou-o sem o levar aos lábios. Diga, fale, insistiu a filha, e para abrir-lhe caminho ao desabafo perguntou, Ainda está preocupado por causa de Marçal, ou tem algum outro motivo de cuidado. Cipriano Algor deitou a mão no copo, bebeu de um trago o resto do vinho, e respondeu rapidamente, como se as palavras lhe queimassem a língua, Só me ficaram com metade do carregamento, dizem que passou a haver menos compradores para o barro, que aparecem à venda umas louças de plástico a imitar e que é isso que os clientes preferem, Não é nada que não devêssemos esperar, mais tarde ou mais cedo teria de suceder, o barro racha-se, esboicela-se, parte-se ao menor golpe, ao passo que o plástico resiste a tudo e não se queixa, A diferença está em que o barro é como as pessoas, precisa de queo tratem bem, O plástico também, mas é certo que menos [...]. (p. 33)"

29 junho 2013

VIDAS SECAS

GRACILIANO RAMOS. Vidas Secas. Record, Rio de Janeiro: 2011. 174pp.

"Arrastaram-se para lá, devagar, Sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde." (pp. 9 e 10)

25 junho 2013

PARA UMA ÉTICA DA LIBERTAÇÃO LATINO-AMERICANA

ENRIQUE DOMINGOS DUSSEL. Para uma ética da libertação latino-americana. IV – Política. São Paulo: Edições Loyola, 1977.

"Esta libertação da dependência [do pensamento europeu], esta ruptura da Totalidade dominada pelo 'centro', quer indicar a necessidade de um povo até agora oprimido, de chegar a ter as possibilidades humanas para realizar um projeto digno de tal homem." (p. 53)

(O povo) "na adolescência e na juventude já não pode identificar-se de forma alguma com ele (estado-pai): não lhe resta senão a rebelião contra um pai e uma sociedade que não lhe inspira mais confiança. Além disso, a vida no próximo futuro é incerta quanto à possibilidade de trabalho. Produziu-se uma proletarização do estudante universitário e por isso a juventude dos países do Terceiro Mundo é uma privilegiada consciência libertadora." (p. 184)

"É necessário terminar com a “era escolar” que a burguesia moderna europeia iniciou e que Rousseau definiu como seu Émile. Trata-se de uma verdadeira “síndrome pedagógica” que é preciso saber superar, especialmente em nossa América Latina, região periférica e dependente, onde a “escola” é o sistema pelo qual se aliena o membro da cultura popular." (p. 207)

24 junho 2013

O FILHO ETERNO

CRISTOVÃO TEZZA. O Filho Eterno. Rio de Janeiro, Record: 2007. 222pp.

"Um cartum: a figura fuma um cigarro atrás do outro na sala de espera até que a enfermeira, o médico, alguém lhe mostra um pacote e lhe diz alguma coisa muito engraçada, e nós rimos. Sim, há algo de engraçado nesta espera. É um papel que representamos, o pai angustiado, a mãe feliz, o médico sorridente, o vulto desconhecido que surge do nada e nos dá parabéns, a vertigem de um tempo que, agora, se acelera em desespero, tudo girando veloz e inapelavelmente em torno de um bebê, para só estacionar alguns anos depois - às vezes nunca." (pp. 9 e 10)
"Livre significa: sozinho. [...] tem a mulher, mas eles não nasceram juntos. Podem se separar, e a ordem do mundo se mantém. Mas o filho é um outro nascimento: ele não pode se separar dele. Todas as palavras que o novo pai recebeu ao longo da vida criaram nele essa escravidão consentida, esse breve mas poderoso imperativo ético que se faz em torno de tão pouca coisa: quem é a criança que está ali? O que temos em comum? O que, afinal, eu escolhi?" (p.20)

20 junho 2013

A CABRA VADIA

NELSON RODRIGUES. A Cabra Vadia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

"Durante dezoito anos, ou vinte, fui o único obsceno do teatro brasileiro. (...) E não tive a solidariedade de ninguém. (...) O curioso é que nem Álbum de Família, nem Anjo Negro, nem Senhora dos Afogados tinham um único e escasso palavrão. Eu viria a usá-lo muito mais tarde. E, no entanto, montou-se, a meu respeito, todo um folclore medonho. (...) E as esquerdas tinham, dos meus textos, uma repugnância total." (p.29)
"Os marxistas que me ouviam eram poetas, romancistas, sociólogos, ensaístas. Intelectuais da mais alta qualidade. E entendiam tanto de Marx quanto de um texto chinês de cabeça para baixo. Eis a verdade: somos analfabetos em Marx, dolorosamente analfabetos em Marx." (p.78)
 "Sou uma flor de obsessão e, nos meus últimos escritos, tenho insistido no papel e destino das esquerdas brasileiras. Elas não faziam nada, senão beber no Antonio's, dourar-se na praia e 
rabiscar nos suplementos dominicais. Até que uma data universal deu-lhes a oportunidade sonhada: - o 1º de maio." (p.83)
"As esquerdas não entendem o povo, nem o povo as entende." (p.84)

19 junho 2013

SUOR

JORGE AMADO. Suor. Rio de Janeiro: Record, 1982. 164pp. 

"Os ratos passaram, sem nenhum sinal de medo, entre os homens que estavam parados ao pé da escada escura. Era escura assim de dia e de noite; subia pelo prédio como um cipó que crescesse no interior do tronco de uma árvore." (p.9)
"O sol não aparecia no sótão. As aberturas nas paredes não o deixavam entrar. Porém o calor denunciava a sua presença. Num canto do quarto, sobre um fogareiro a carvão, fervia uma panela de barro. Vinham vozes do quarto vizinho." (p.12)
"A latinha de brilhantina custava quinhentos réis nas lojas da Baixa dos Sapateiros. Ele preferia não tomar a média com pão no Bar Elegante a deixar de comprar brilhantina." (p.18)
"E lá estava no quarto andar do 68 na Ladeira do Pelourinho, naquele mundo de homens de pátrias diferentes e distantes, onde só ele entendia a todos, porque só ele não tinha pátria, nem leis, nem deus. Tinha sim, um grande amor pelas criancinhas miseráveis do prédio (...)." (p.24)

15 junho 2013

VAIDADE, POEIRA E VENTO


CLÁUDIO SAID. Vaidade, Poeira e Vento. São Paulo: Novo Século, 2012. 318pp.

"Não me resta  muito da vida. Já não tenho obrigações pastorais, nem preciso empregar os rapapés da conveniência com as maneiras emplumadas de um lorde inglês. Não hei de carregar no bolso - nunca mais - os fingidos envernizados da hipocrisia." (p.9)
"Comecei hoje mesmo a escrever este texto, embalado pela matéria lida no jornal pela manhã." (p.10)
"Mesmo sendo um homem de gosto apurado, não me permitia ter certos requintes. No lugar onde eu vivia, ser requintado era sinônimo de esnobismo. Esnobe eu não era. Nunca fui. Nunca quis ornamento de perfumaria nem exagero de afetação. (...) Alguma malícia eu tive, mas só aquela que o sacerdócio exigiu." (p.19)
"Zé Limeira se dirigiu à esposa do anfitrião. Era a praxe: em casa residencial ou em terreiro de fazenda, os cantadores costumavam iniciar elogiando os donos da casa.  
'- Cantá pra Dona Zefinha / É só o que me omenta / Pois conheço muié boa / Pelo buraco da venta./ Porém gosta duma briga / Muié da venta comprida / Quage toda é ciumenta. / Senhora Dona Zefinha, / Esposa dum cabra macho, / Muié boa qui nem essa / No mundo todo não acho / Mas só conheço a muié / Oiando a parte de  baixo.

14 junho 2013

O MEDO DO GOLEIRO DIANTE DO PÊNALTI

PETER HANDKE. O Medo do Goleiro Diante do Pênalti. Brasiliense: 1998. Tradução: Zé Pedro Antunes. 182pp.

"Ao montador Joseph Bloch, que antes havia sido um goleiro famoso, foi ao apresentar-se para o trabalho pela manhã, comunicado que estava despedido." (p.11)
"A seguir admirou-se de que, ao gesto com o qual, sem dizer nada, depositara o dinheiro no prato giratório, a bilheteira tivesse respondido com um outro gesto como que natural. Ao lado da tela notou um relógio elétrico com o mostrador iluminado. Em meio ao filme ouviu soar um sino; por muito tempo ficou na dúvida se havia soado no filme ou lá fora na torre da igreja oa lado do mercado." (p.11)
"O armário, a pia, a mala de viagem, a porta: só agora lhe ocorrera que, fazendo-o como que sob pressão, para cada objeto pensava a palavra correspondente. A cada visão de um objeto vinha-lhe imediatamente a palavra. A cadeira, os cabides, a chave." (p.49)
"Na caixa econômica trocou a nota de um dólar que há muito tempo trazia consigo. Tentou trocar também uma nota brasileira, mas essa moeda não era aceita para compra na caixa econômica; além disso, nem possuíam informação sorbre o câmbio." (p.77)

10 junho 2013

CONTRA O FANATISMO

AMÓS OZ. Contra o Fanatismo. Ediouro, 2004. 105pp.

"O fanatismo é mais antigo que o Islã, mais velho que o Cristianismo, que o Judaísmo, que qualquer estado, governo ou sistema político, que qualquer ideologia ou fé no mundo." (p.14)
"Como lidar com pessoas que são pontos de exclamação ambulantes? O fanatismo é, com frequência, intimamente relacionada a uma atmosfera de desespero profundo." (p.16)
"Creio que a essência do fanatismo reside no desejo de forçar as pessoas a mudarem. A inclinação comum de melhorar seu vizinho, de consertar seu cônjuge, de guiar seu filho, de endireitar seu irmão, em vez de deixá-los ser. O fanático é uma criatura bastante generosa. É um grande altruísta. frequentemente o fanático está mais interessado em você do que nele próprio." (p.29)
"O conflito palestino-israelense não é um filme de faroeste. Não é uma luta entre o bem e o mal. Vejo-o, antes, como uma tragédia, no sentido antigo e mais preciso da palavra 'tragédia': um choque entre o certo e o certo, entre uma reivindicação muito poderosa, muito profunda, muito convincente, e uma reivindicação muito diferente, mas não menos convincente, não menos poderosa, não menos humana. " (p46)

08 junho 2013

LEITE DERRAMADO

CHICO BUARQUE. Leite Derramado. Companhia das Letras, 2009. 195pp.

"Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina." (p.5)
"Dia desses fui buscar meus pais no parque dos brinquedos, porque no sonho eles eram meus filhos. Fui chamá-los com a boa-nova de que meu avô recém-nascido seria circuncidado, tinha virado judeu sem mais nem menos." (p.15)
"Adoro ver seus olhos de rapariga rondando a enfermaria: eu, o relógio, a televisão, o celular, eu, a cama do tetraplégico, o soro, a sonda, o velho do Alzheimer, o celular, a televisão, eu, o relógio de novo, e não deu nem um minuto." (p.19)
"A memória é deveras um pandemônio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas. Não pode é alguém de fora se intrometer, como a empregada que remove a papelada para espanar o escritório. Ou como a filha que pretende dispor minha memória na ordem dela, cronológica, alfabética, ou por assunto." (p.41)

07 junho 2013

OS 13 PORQUÊS

JAY ASHER. Os 13 Porquês. Ática, 2009. 256pp.

"Um pacote do tamanho de uma caixa de sapatos está apoiado na porta da frente. A porta da minha casa tem uma pequena abertura por onde o carteiro coloca a correspondência, mas qualquer coisa mais grossa que um sabonete é deixada do lado de fora. Um rabisco apressado no embrulho endereça o pacote a Clay Jensen, por isso o pego e entro em casa. (...) Quem enviaria uma caixa de sapatos cheia de fitas? Ninguém mais ouve fitas cassete. Será que tem algum jeito de tocá-las?"

"Não posso acreditar. Hannah Baker se matou.
'Espero que vocês estejam prontos, porque vou contar aqui a história da minha vida. Mais especificamente, por que ela chegou ao fim. E, se estiver escutando estas fitas você é um dos motivos.'
Que? Como ass
im?
'Não vou dizer qual fita tem a ver com sua participação na história. Mas, não precisa ter medo. Se você recebeu essa caixinha bonitinha, seu nome vai aparecer...Eu prometo.' "

06 junho 2013

O SENTIDO DE UM FIM



JULIAN BARNES. O Sentido de um fim. Rio de Janeiro: Rocco, 2012. 159pp.


"Nós vivemos no tempo - ele nos prende e nos molda -, mas eu nunca achei que entendia isso muito bem. E não me refiro a teorias de como ele se dobra e volta para trás, ou se pode existir em outro lugar em versões paralelas. Não, eu me refiro ao tempo comum, rotineiro, que os relógios nos mostram que passa regularmente: tique-taque, clique-claque. Existe algo mais plausível do que um segundo ponteiro?" (p. 9)
"A história é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas de documentação." (p. 67)
"Nós vivemos com suposições fáceis, não é? Por exemplo, que a memória é igual a: eventos mais tempo. Mas é tudo muito mais complicado do que isso. Quem foi que disse que a memória é o que nós achamos que tínhamos esquecido? E devia ser óbvio para nós que o tempo não age como um fixador, e sim como um solvente." (p. 72)
por FILIPE OLIVEIRA

05 junho 2013

MANIFESTO DO NADA NA TERRA DO NUNCA

[As citações do livro - abaixo - foram retiradas do texto de Gulherme Fernandes, publicado no site Observatório da Imprensa, em 14/05/13. LEIA O TEXTO NA ÍNTEGRA AQUI]

LOBÃO. Manifesto do Nada na Terra do Nunca. Nova Fronteira, 247pp.
“Amamos a pobreza. O que mais me impressiona é a quantidade de gênios que nossa cultura produz, a formular teorias incríveis no intuito de proteger esse patrimônio de que, tristemente, acostumamos a nos envaidecer. Isso gerou uma forma singular de autoengano: nos achamos especiais através dos nossos piores defeitos.”
“E quanto ao rap? Bem, o rap e o hip-hop, em geral, estão vivendo momentaneamente como reféns do simplismo e do populismo da cartilha do partido do governo. (...) A atitude deles é essa, sempre: se você não é mano, você é um ser repugnante a ser desprezado.”

LÍRICA E SOCIEDADE


THEODOR W. ADORNO. Lírica e sociedade. 
(In.: _______ et al. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.193-208)
FICHAMENTO: Conferência realizada no ano de 1958.

p.193-194: Adorno afirma que o “ideal da Lírica” – no sentido tradicional - é manter-se intacta à roda-viva do cotidiano embrutecido. A própria expressão “lírica” remete a algo “delicado e frágil”.
Mas, “o conteúdo do poema não é a mera expressão de emoções e experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando, exatamente em virtude da especificação de seu tomar-forma estético, adquirem participação no universal."

p.194: “Da mais irrestrita individuação a formação lírica tem esperança de extrair o universal.”
“Essa universalidade do conteúdo lírico, todavia, é essencialmente social.”
"SÓ ENTENDE AQUILO QUE O POEMA DIZ QUEM ESCUTA EM SUA SOLIDÃO A VOZ DA HUMANIDADE."

04 junho 2013

O ESPÍRITO DA PROSA

CRISTOVÃO TEZZA. O Espírito da Prosa: uma autobiografia literária. Rio de Janeiro: Record, 2012. 224pp. 

 "Não há nada pior que o novo ateu (...). Jogado súbito na liberdade, ele gosta de arremessar pedras contra o deus inexistente a quem serviu a vida inteira." (p.9) 
"A palavra romance não tem nenhuma precisão, especialmente entre nós. Pode ser, no sentido estrito, um gênero composicional que começou no final do século XVIII, avançou e atingiu seu ápice no século XIX e morreu penosamente ao longo da primeira metade do século XX." (p.10) 
"Se o leitor aceita que as palavras que ele lê agora são a expressão direta e instranferível das opiniões de Cristovão Tezza, ele mesmo, por mais confusas ou enganadoras que sejam, ele está diante de uma não romance, uma não ficção (...). Mas se o leitor sente nestas palavras um outro que fala (...), com intenção estética (...), ele estará diante de prosa romanesca, ainda que embrionária." E o autor ainda nos lembra que "às vezes, se passa sutilmente de uma coisa a outra." (p.15)